
Gênero: Blues / MPB / R&B / samba / pagode / EDM
Gravadora: Estúdio Brocal
Lançamento: 19 de agosto de 2024
Em “CAJU”, Liniker cria um dos melhores discos nacionais dos últimos anos que a qualidade por si só dá o título de um clássico.
Em 19 de agosto de 2024, Liniker lançou seu segundo álbum de estúdio intitulado “CAJU”, que sucede o estreante “Indigo Borboleta Anil” (2021). Desde o fim da banda Liniker e os Caramelows, sua carreira solo continua para um segundo projeto.
Desta vez, apostando num disco com um blues encorpado que navega no samba, MPB, soul, pagode, jazz e pop sintetizado, ela mantém os pés no chão no que diz ser um disco que converse com o ouvinte, mesmo com todas as questões da fama e popularidade: “Tem uma frieza, mesmo, que tenho enfrentado na minha vida pessoal com alguns afetos. Quis falar disso de uma forma muito aberta, jogando no ventilador. Estou cansada de ficar nessa coisa reducionista. Quero ser amada. Eu quero trocar, ter uma vida legal. Curtir como todo mundo curte, ter date. O fato de eu ser a Liniker não me possibilita isso”, disse ela para a Splash do UOL.
O projeto vai na contramão do que temos visto na indústria musical nos últimos tempos, onde tudo é muito sintetizado, enlatado e com ajustes de arranjos pré-definidos. Por aqui, temos instrumentos com uma abordagem crua, é possível escutar a oscilação de notas de guitarra, assim como as vocais, o que consideramos um ponto forte.
O álbum todo é uma declaração de fragilidades, sentimentos, frustrações e sabores agridoces. Contando com múltiplas faixas acima dos 7 minutos, como “TUDO”, “VELUDO MARROM” e “AO TEU LADO”, ela tem muito a dizer na geração TikTok no qual os artistas têm lançado projetos tão curtos quanto propaganda política de partido sem grande coligação.
O disco inicia-se com “CAJU”, faixa-título que também serviu como single para a trilha. Com um sample de chamada de aeroporto ao início e uma atmosfera obscura seguida de uma bateria acompanhando notas repetidas, ela se abre com uma determinada insegurança tão tensionada que irá lhe envolver enquanto canta os versos: “quando eu alçar o voo mais bonito da minha vida / quem me chamará de amor? de gostosa? de querida? que vai me esperar em casa? polir a joia rara? / ser o pseudofruto, a pele do caju? / quero saber se você vai correr atrás de mim / no aeroporto”. O blues é tão forte que pode te intimidar e todos na sala onde tocar.
A seguir temos “TUDO”, faixa carro-chefe de promoção do disco. Desta vez, movemos para um pop produzido por Fejuca, Gustavo Ruiz, Nave e a própria Liniker onde temos uma mistura com MPB e pode te remeter às trilhas da banda Olodum. Num ritmo dançante, ela se torna otimista entre os trechos: “deixa eu ficar na tua vida / morar dentro da concha / do teu abraço não quero largar / que seja real além da conta / o que a gente precisa / é aprender sonhar”.
“VELUDO MARROM”, uma das melhores faixas do disco, tem uma das maiores durações dentre as demais. 7 minutos e 18 segundos é uma experiência suave crescente que apaixona em todos os sentidos. Muito a dizer junto de um arranjo arrastado e conversante gerou esta. Com uma guitarra desenhando o lírico, ela vai se declarando: “não ligo se faz frio ou faz calor / hoje quem me ligar / digo que tô nas nuvens de um poeta ou algo assim / torcendo pra não ser mentira / enquanto você dorme / eu cheiro você / pra guardar na memória o tom / do meu veludo cor marrom / eu não tô afim de desgrudar, mas… / quero fazer dos dias, a paz”. Com um vocal belo acompanhado de um coral encorpado e cheio de vibrato, somos carregados ao fim como se os sete minutos não fossem nada. Se você repeti-la dez vezes, terá se passado uma hora.
Então somos transicionados para “AO TEU LADO”, com participação de Amaro Freitas e a dupla ANAVITÓRIA. Com um arranjo orquestral teatral acompanhado de uma voz soprosa e um tom grave, ela recita: “pensei que mandar um poema daria o tom / talvez uma colcha, retalhar mais um sonho bom / ficar à vontade pra poder me esparramar / e sorrir sem mal dar ao teu lado”. ANAVITÓRIA segue a soprosidade já característico da dupla que casa bem com a faixa. O piano dramático é quase um estágio terminal de novela das nove que precisa de determinada ocasião para ser reproduzida. Somos surpreendidos também com a injeção de um rock ao final que pode despertar a atenção dentro de tanta melancolia.
“ME AJUDE A SALVAR OS DOMINGOS” é daquelas faixas teatrais apaixonantes onde você rapidamente aprende o lírico mesmo sendo extenso. Com um blues apelativo impossível de não se envolver, ela cria a música que certamente você irá ver recorrentemente nas atualizações diárias de seus amigos no Instagram aos domingos: “olhe nos olhos / vamos brindar o fim do dia / pois sem você / esse domingo não passa / de olhos fechados / peço que alguém / me ajude a salvar os domingos / dessa ressaca / da malha gasta / do dengo que não vem”. Surpreendentemente, não víamos um blues tão cru e original quanto no outro desta.
“NEGONA DOS OLHOS TERRÍVEIS”, com participação da banda BaianaSystem, celebra raízes (tanto musicalmente quanto culturalmente), seguindo a linha tradicional da música popular brasileira quase como um tributo. Liricamente, a música mergulha na identidade que representa sua origem em trechos como: “negona dos olhos terríveis / sereia caminhando a pé / quadril de rebolar teus sonhos / coração doce / cor de mulher / farol que cegará teus olhos / impossível de se desviar / na boca, te embebeda inteira / tem forma de doce, de lambuzar”.
“MAYONGA” soa como um interlúdio cheio de samba fazendo uma extensão ao tributo da faixa anterior, onde ela recita: “tem uma rezadeira na janela / vou passar pra falar do lado de cá / chorar amores e mazelas / peço água de cheiro pra curar / rua direita só dá ela / ela parada de frente pro mar / passava a vida aos olhos dela / até que pareu / pedindo pra falar ao coração / que eu quero paz e alguém pra ficar / um tempo e dure mais que um verão / o amor com a rotação do luar / Dona Maria ou Cinderela / traz a Joana, beyond de lá / a vida vira passarela / pra virar feitiço, tem que rezar / preta que vira é aquarela / tão colorida pra não orbitar / tá no roteiro da novela / vai que dá, que dá, que dá, que dá / a rezadeira da janela / passou de tudo pra eu me curar / tome mayonga à luz de velas / vai brilhar, brilhar, brilhar, brilhar”.
“PAPO DE EDREDOM”, participação com a cantora Melly, reafirma a identidade do disco com o blues. Mas desta vez o blues se torna R&B, com vocais estilísticos que mostra sensualidade diante de um arranjo riquíssimo e um pouco mais sintetizado, mas que não fique enjoado de degustar. A sensualidade no lirismo também acompanha nos versos: “debaixo das cobertas você me ensina / uma rima diferente que eu não sei / o momento que eu deixei você me ver / inteira e transparente como um violão / eu não desejo pra ninguém o que você me fez / foi pura sacanagem, é recordação / beijo na boca, no mar (tão bom) / dançar ao som de Dja… / vamos revirar os olhos de manhã / no fio dessa conversa, papo de edredom”.
“POPSTAR” retrata novamente com um blues o que citamos no início desta análise, onde ela diz que o amor romântico também pode a atingir mesmo com toda a fama. Com uma impostação vocal acelerada e atingindo o topo de sua tessitura, ela canta: “agora eu sei que meu amor é um pote de ouro / tesouro raro / impossível não me amar / não é coragem que precisa pra tá do meu lado / todo mundo merece amor, até uma pop star”.
“FEBRE” é o pagode tradicional de dia de domingo que você irá reproduzir no churrasco, seja no caminho da praia, na areia no litoral ou na festa de quintal junto com a cerveja gelada. Mesmo com o ritmo envolvente inegável, a letra vai fazer com que alguns se relacionem, como a mensagem de voz de WhatsApp no início: “oi, oi, tudo bem por aí? / como é que cê tá? / eu falei que não ia mais mandar mensagem / mas hoje eu tô precisando / acordei com febre / tava pensando em você / seria tudo se cê viesse pra cá / mas eu entendo né / você sempre complicado, sempre / aí já viu, né?”.
“POTE DE OURO”, participação com a cantora Priscila Senna é um pop mais comum que deixa a insegurança do início de lado. A participação de Priscila por aqui é um ponto positivo que encaixa bem com a proposta da faixa.
“DEIXA ESTAR”, participação com Lulu Santos e Pabllo Vittar é mais uma faixa pop que irá te remeter à Dua Lipa para a trilha sonora de “Barbie: O Filme” (2023). A música é um desperdício de colaboração pois soa mais como trilha de música de créditos de filme que chegou ao fim, no momento em que todos já saíram da sala e a faixa toca apenas para as paredes. Talvez o clima de final de disco contribua para esta sensação.
“SO SPECIAL”, colaboração com a dupla de DJs de EDM Tropkillaz abandona completamente a proposta do disco e se desconecta para ser apenas uma faixa de transição de sets do Lollapalooza ou OktoberFest.
“TAKE YOUR TIME AND RELAXE” é o ato de encerramento do disco com sintetizadores de blues suaves que guardam uma mensagem falada de Liniker que soa como uma contadora de histórias ao redor de uma roda à beira da fogueira, inclusive em seu tom.
Em “CAJU”, Liniker cria um dos melhores discos nacionais dos últimos anos que a qualidade por si só dá o título de um clássico.
NOTA:

Escute “CAJU” de Liniker aqui: