Review: “Funk Generation” de Anitta

“Funk Generation” de Anitta
Gênero: Funk / Pop / Reggaeton
Gravadora: Republic Records
Lançamento: 26 de abril de 2024

Em “Funk Generation”, Anitta falha amargamente em levar o funk brasileiro para o mundo, reforça estereótipos e cria uma visão errada e distorcida do que é música no Brasil.

Na última sexta-feira (26), Anitta lançou seu sexto álbum de estúdio intitulado “Funk Generation”, que sucede o constrangedor “Versions of Me” (2022).

O novo disco é resultado de uma chuva de promessas de Anitta de levar a música brasileira (em especial o gênero do funk) para o mundo afora. A partir do azedo “Kisses” (2019), ela adotou uma estratégia de expandir seu repertório musical ao tentar uma carreira internacional, criando músicas com influência do reggaeton hispânico e um pop complexo que ia na contramão da indústria que vem apostando em produções mais minimalistas.

Houve diversas tentativas de emplacar uma faixa que desse destaque ao nome dela no mercado internacional, como: “Will I See You”, “Switch”, colaboração com a rapper australiana Iggy Azalea, “Medicina”, “Poquito”, “Girl from Rio”, “Boys Don’t Cry”, “Faking Love” e “Funk Rave”. Algumas tentativas conseguiram dar visibilidade ao trabalho dela como “Me Gusta”, colaboração com a rapper estadunidense Cardi B e “Envolver”. Porém, num desses acertos que a fizeram ter uma certa visibilidade no mercado estrangeiro, quase nenhum deles têm a influência crua da música brasileira. No caso da colaboração com Cardi B, há elementos de funk misturados com um pop e hip-hop que tiram o foco do funk brasileiro na faixa, e, no caso de “Envolver”, a presença da influência da música brasileira é quase nula, já que a aposta foi um pop latino voltado para o público hispânico.

A impressão que fica é: em seu discurso, Anitta diz que irá trabalhar para levar a cultura musical brasileira para o mundo afora, mas na prática o que vemos é uma rendição a um mercado saturado e nada original da música latina hispânica, que nada tem a ver com o Brasil. 

Na verdade, o que se entrega é uma visão cultural distorcida e nada verdadeira do que é a música brasileira de fato. No Brasil, o consumo de reggaeton, músicas em espanhol, pop latino e relacionados é quase insignificante. Hoje, o domínio das plataformas de reprodução de música como o Spotify, Deezer e Apple Music são de artistas de rap, sertanejo, funk, pagode e variantes da música brega. 

Quando Anitta se apresenta ao mercado internacional com faixas em espanhol, espanglês ou com diversos idiomas juntos acompanhado de arranjos da música espanhola, colombiana, venezuelana e argentina, fica estigmatizado ainda mais a visão deturpada mundo afora do que o Brasil realmente é. O Brasil não fala espanhol, fala português. O Brasil não consome em massa a música hispânica, consome a música brasileira. Há diversos atos latinos que quase não possuem evidência no Brasil, como o colosso porto-riquenho Bad Bunny e a gigante colombiana Karol G que está neste momento esgotando shows mundo afora, que até a data desta análise já arrecadou mais de 300 milhões de dólares com apenas 38 shows.

O álbum inicia-se com “Lose Ya Breath”, uma faixa inspirada no funk carioca dos anos 2000, que se une a um pop sintetizado e grave que engole o funk que prometia ser o principal, e o lírico não faz nenhum sentido com o funk que conhecemos, onde ela canta em inglês quase como um grito: “rebolo, faço você suar / vou fazer você perder seu fôlego / vou fazer você perder seu fôlego / vou fazer você perder seu fôlego”.

A seguir, temos “Grip”, um funk que vai se esvaindo mais uma vez, junto de um black accent vergonhoso onde ela canta: “essa b******* tem pegada / é melhor você saber com quem está mexendo / posso fazer seu rosto ser minha cadeira / faço você gastar todo esse dinheiro bem rápido / mas estou muito ocupada fazendo essa grana”. O funk é unido a diversos sintetizadores que juntos confundem demais e para boates até que podem funcionar pelo grave pesado e exagerado.

Então temos “Funk Rave”, um meio-acerto que está se tornando um clássico nas boates pelo arranjo apelativo que une funk e eletrônico, que é impossível de não se envolver. O ponto negativo aqui é o espanhol que não representa em nada a música brasileira, por que não adotar um lírico descompromissado em português? Seria ainda melhor. A faixa também serviu como single do disco. No refrão envolvente, ela canta: “quero curtição até de manhã / não devo satisfação a ninguém / pisa assim, aperta assim, tira assim, toma assim / pisa assim, aperta assim, tira assim, toma assim / pisa assim, aperta assim, tira assim, toma assim”.

“Fria” abandona a proposta do funk quase por completo e abraça um pop latino à moda de Karol G, Bad Bunny e Peso Pluma que parece não ter uma intenção bem definida. A voz de Anitta está reverberada com um efeito que tenta disfarçar sua falta de habilidade vocal, onde ela canta: “não estou tentando te machucar, mas tô vendo que você tá todo envolvido / não quero ser grossa, mas você continua ligando / não sou exigente, eu tenho opções demais / eu só ganho, nunca perco, não se envolva demais / não quero desperdiçar seu tempo (ah, não) / se vamos cruzar essa linha (tá bom) / não quero sentimentos envolvidos / você sabe que sou má, e você quer tanto isso / você não vai me fazer mudar de ideia / meu coração é tão frio e você não é o primeiro que tenta chegar até mim / chegar até mim”. Ao se encaminhar para o final da faixa de apenas 2 minutos e 7 segundos, o arranjo acelera quase como uma falha de produção.

Em “Meme”, temos uma das piores faixas do disco. O funk fica triscando em um looping infinito enquanto instrumentais sintetizados característicos do reggaeton tomam conta de maneira tão saturada e derretida que a escuta é passável com bastante facilidade. Nem o lírico salva: “deixe ele lá dentro, tá quentinho / te dizendo safadezas no seu ouvido, meu bem, e isso te deixou com tesão / me vire de costas, puxe o meu cabelo, é tudo o que eu preciso / eu paro e coloco na sua boca, coma tudinho / faça de tudo comigo, você me f***, eu te f*** / eu me molho todinha mesmo sem entrar na água / faça de tudo comigo, você me f***, eu te f*** / hoje eu vou realizar todos os seus desejos / faça de tudo comigo, você me f***, eu te f*** / vem, m*** forte em mim, me deixa vermelha / faça de tudo comigo, você me f***, eu te f*** / você já vai g****, eu tô vendo nos seus olhos”, ela diz.

“Love In Common” é mais uma nota zero. O reggae-pop estilo “Side To Side” (2016), colaboração de Ariana Grande com Nicki Minaj, é tão previsível que mesmo a mistura de um pop com reggae pode soar sem identidade e coerência. A fórmula desgastada acompanhada de um arranjo que parece ser uma trilha de verão havaiano não surpreende, e o lírico também deixa a deseja, mesmo tendo um pouco mais de profundidade: “ultimamente, simplesmente não temos amor mútuo / era bom, mas tem sido ruim com muita frequência / o fato de você não ver isso como um problema / não é culpa de ninguém / não temos amor mútuo / ultimamente, simplesmente não temos amor / é uma estrada e eu sei para onde ela está indo / cabeça pra fora da janela e torcendo pelo melhor / os altos levam a quedas e as quedas levam a quebrar / meu coração está pesado dentro do meu peito”. Mesmo com uma composição co-escrita por 6 compositores, incluindo a própria Anitta.

Em “Aceita”, temos uma envolvência um pouco mais interessante, que pode pontuar positivamente, mas nada que já não tenhamos escutado antes. Agora temos um pop de boate seguido de sintetizadores eletrônicos com instrumentos lavados e a voz de Anitta possui um efeito quase de conexão discada que pode divertir, onde ela canta: “eu acho que você não sabe como me chamam / eu acho que você não sabe como me chamam / sou a v******** que está procurando problemas / que diz as verdades com um olhar profundo / a que mantém o barco mesmo que ela se afunda / e quantos dos seus namorados se afogam? / saí da favela, pareço de novela / Itália, tomando chá com a Donatella Versace / música, filmes, show, passarela / meu ex me disse que eu estava bonita no Coachella”. Desta vez, a escolha do espanglês é razoável e aceitável, mas ainda não entrega o que propõe.

Então temos “Double Team”, colaboração com o artista porto-riquenho Brray e a artista espanhola Bad Gyal. Esta é a faixa mais longa do disco, que também serviu como single do disco, e não deveria possuir 4 minutos diante de tanta saturação, mediocridade e falta de criatividade. O teclado agudo sintetizado ao fundo com uma atmosfera obscura é tão previsível que chega a ser um pouco desinteressante de acompanhar, junto de um lírico que tenta chocar: “sou bem p*** e todos sabem disso / todos sabem disso / sou p****** e todos sabem disso / ah, todos sabem disso / uma v**** má e todos sabem disso / ah, todos sabem disso / sou bem p*** e todos sabem disso / ah, todos sabem disso / sou bem pu-pu-pu-pu-pu-pu-p***, p***, p***, p*** / sou bem pu-pu-pu-pu-pu-pu-p*** / sou bem p***, p***, p*** / sou bem p***, p***, p***, p***, p***, p***, p***, pu / sou bem pu-pu-pu-pu-pu-pu-p***, p***, p***”.

Em “Savage Funk” temos um dos maiores atos do disco, a faixa de transição de apenas 1 minuto e 23 segundos é sensacional, onde simula excelentemente bem o que é de fato um baile de favela, seguido de um instrumental seguido de letras escrachantes que vai te mover rapidamente sem nenhuma hesitação. O funk pesado e rasgado é responsabilidade de Tropkillaz e o DJ GBR. Parabéns pela produção certeira dentro do disco!

Em “Joga Pra Lua”, colaboração com o DJ Dennis e o DJ Pedro Sampaio, parece mais se tratar de uma liderança de Dennis e Pedro do que qualquer outra coisa. Há faixas por aí que ambos já produziram que são muito semelhantes a esta e é tão previsível que mesmo com uma produção apelativa, pode te manter imóvel. Não há comentários a fazer sobre o lírico, por favor…

“Cria de Favela”, “P*** Cara” e “Sabana” são faixas que encaminham o disco para a fase final, e não impressionam e não merecem nem uma análise tão aprofundada nesta review. 

Em “Ahi”, colaboração com o artista britânico Sam Smith, é divertida e digna de uma escuta, mas confessamos ser uma aleatoriedade. Os ad-libs de Sam elevam a qualidade da faixa em alguns pontos, e não sabíamos que precisaríamos ter Sam Smith numa trilha de funk corrida até termos. A escolha linguística se mantém como um erro por aqui, apesar da escolha vocal ser satisfatória: “um caso de uma noite, tudo bem por mim / não finja que somos feitos um pro outro / o tempo é precioso, o relógio está correndo / quando acabarmos, você vai estar livre pra ir embora / seja honesto comigo, é isso que eu quero / não aja com amor só pra sumir depois / eu sou grandinha, diga o que quer / eu posso fazer amor ou podemos só f**** / aí / continue, continue, continue, continue, o quê? o quê? / aí / me dê amor, me dê amor, me dê amor, me dê amor / me dê o que eu preciso / me leve pra onde eu quero estar / querido, aí”. As notas vocais estão mais conectadas e o trabalho foi mais bem feito por aqui, e consideramos um ponto positivo.

O ato de encerramento fica responsável para “Mil Veces”, a melhor faixa de disco, e foi preciso escutarmos o disco todo para ouvirmos a melhor trilha do álbum. A escorregada no blues no início é feita com classe, até sermos introduzidos uma percussão de funk deliciosíssima, onde o refrão fica mais grave, preenchido e cada vez mais degustante, onde ela canta acompanhando o instrumental de forma espetacular, como se o arranjo conversasse com sua voz que canta em paralelo diante de uma produção maravilhosa, que merece com toda a certeza sua escuta.

A proposta de Anitta em seu sexto álbum de estúdio de levar o funk para o mundo afora pode não ser concretizada, pois a intenção não foi bem definida. “Funk Generation” derrapa mais do que segue o caminho correto, o que pode não interessar a sua escuta por completo.

Em “Funk Generation”, Anitta falha amargamente em levar o funk brasileiro para o mundo, reforça estereótipos e cria uma visão errada e distorcida do que é música no Brasil.

NOTA:

Escute “Funk Generation” de Anitta aqui:

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