Review: “eternal sunshine” de Ariana Grande

“eternal sunshine” de Ariana Grande
Gênero: Pop / R&B
Gravadora: Republic Records
Lançamento: 8 de março de 2024

Em “eternal sunshine”, Ariana Grande mostra amadurecimento, o avesso de “Positions”, homenageia “Yours Truly” e leva sua discografia para um lugar que ninguém imaginava.

Ariana Grande lançou seu sétimo álbum de estúdio intitulado “eternal sunshine”, inspirado no filme de comédia romântica dramática “Eternal Sunshine of the Spotless Mind” estrelando Jim Carrey e Kate Winslet.

Em resumo, a sinopse do filme diz: “Casal se submete a uma nova técnica terapêutica que promete apagar más recordações, no intuito de salvar seu relacionamento, mas no meio do caminho surgem complicações.

Em maio de 2021, Ariana casou-se com o corretor de imóveis Dalton Gomez, que vinham vivendo um relacionamento desde o início de 2020. Após a era conturbada do blockbuster “thank u, next” (2019), Grande foi se afastando do público geral e se tornando mais reservada, o que fez com que sua vida pessoal não ficasse tão evidente até então.

Em Positions (2020), Ariana tratou seu relacionamento com Dalton de maneira luminosa, saudável, apaixonante e de paz, pelo menos é o que vimos em faixas como “west side”, “34+35”, “my hair” e “obvious”

Em meados do ano passado, 2023, rumores surgiram de que ela havia se divorciado do corretor de imóveis e logo em seguida tido um caso com seu colega de gravações de “Wicked” (2024), Ethan Slater, que supostamente estava casado na data. Foi observado que o público da cultura pop começou a alegar que Ariana seria uma “destruidora de lares”, visto que Ethan estava traindo sua esposa enquanto ela cuidava do bebê dos dois, que era recém-nascido.

Nenhuma das partes se pronunciou, nem Ariana, nem Ethan. No final de dezembro do mesmo ano, surgem novos rumores de que Ariana estaria voltando com sua nova música de seu novo álbum de estúdio. Grande criou uma estratégia que criou expectativas para saber o que ela tinha a dizer sobre o assunto e o burburinho que ocorreu em sua vida pessoal, pois até então não havia nenhuma declaração, apenas especulações.

Em 12 de janeiro deste ano, Grande lançou o single carro-chefe de seu sétimo álbum de estúdio “eternal sunshine”, intitulado “yes, and?” ou “sim, e daí?”. Só pelo título, ficou subentendido de que ela iria debochar das alegações que estavam acontecendo a respeito dela.

A música foi uma resposta sutil às alegações que estavam circulando, onde Ariana optou por uma faixa pop/house, com interpolação de “Vogue” (1990) de Madonna, que na semana de lançamento, estreou em 1º lugar na Billboard Hot 100, ranking semanal de músicas com mais sucesso nos EUA, e se tornou o 8º número um dela no país. [Leia a review de “yes, and?” aqui]

“eternal sunshine” possui 13 faixas, e o disco tem uma duração de 35 minutos. Desta vez, Ariana nos engana ao achar que o disco teria a mesma sonoridade de “yes, and?” e no álbum obtivemos uma mescla de todos os seus 6 discos anteriores, mas com mais presença de “Yours Truly” (2013) no início do disco e “Sweetener” (2018) e “Positions” (2020), que são álbuns majoritariamente de pop/R&B.

O R&B abordado nele vai na contramão do abordado em “Yours Truly” e “Sweetener”. No seu álbum de estreia, tivemos um R&B contemporâneo com influência da música teatral dos anos 40, 50 e 60. Em seu quarto álbum, tivemos um R&B experimental — cativado por Pharrell Williams — que mesclava pop, hip-hop e urban. Já em seu último disco até então, tínhamos um R&B minimalista e focado em produção vocal que já resenhamos (leia aqui).

O álbum inicia-se com “intro (end of the world)”, com um teclado sintetizado com uma atmosfera brilhante, onde ela, com sua voz soprosa e quase falada, recita: “como posso saber se estou no relacionamento certo? / você realmente não deveria saber essa m****? / sinta isso em seus ossos, você é dono disso? eu não sei / então, eu tive essa interação na qual estive pensando por umas cinco semanas / me pergunto se ele está pensando nisso e sorrindo / me pergunto se ele sabe que é isso que está me inspirando / me pergunto se ele julga como estou agora”. As cordas carregam sutilmente sua voz leve. Ariana introduz o disco com a pergunta: “Será que ele sabe que este disco trata sobre nós e tudo o que nos rodeou? Será que ele está me julgando pelo o que eu disse neste disco?”. Certamente, sim. O álbum está prestes a contar a história que nós soubemos pela mídia, através de sua arte. A voz dela fica mais firme enquanto ela canta: “se o Sol se recusasse a brilhar? / amor, eu ainda seria sua amante? / você me quer lá? / se a Lua escurecesse esta noite / e se tudo acabasse amanhã / eu seria aquela na sua cabeça / e se tudo acabasse amanhã / você seria meu?”.

A primeira faixa após a introdução “bye” é um tributo inconsciente da Ariana de “Yours Truly”, é como se houvesse um encontro sonoro de seu trabalho juvenil de seu álbum de estreia e agora a maturidade o encontrasse. O R&B abordado aqui desliza no disco com preenchimentos vocais que preenchem até a alma.

Ariana optou por começar a contar a história a partir do fim, o que pode ser considerada uma continuação direta de sua história em “Positions”. A faixa é sonoramente contrastante ao lírico, onde Ariana canta meio a um disco dançante: “essa não é a primeira vez que sou refém dessas lágrimas / não consigo acreditar / finalmente estou superando meus medos / pelo menos sei o quanto tentamos, tanto você, quanto eu / nós não tentamos? tentamos, né?”. A impostação em sua voz entrega talvez o quanto é inevitável às vezes o fim, mesmo que seja contra nossa vontade. A despedida acontece pelos erros deste relacionamento, já que as partes boas podem nos impedir de seguir em frente e nos conformar, é o que ela esclarece numa ponte rica com um arranjo orquestral: “agora é certamente agridoce / este refrão parece muito difícil de cantar / mas é melhor do que repetir”. Ariana preenche o refrão final com notas altas “pra dentro”, como se fosse difícil se expressar, enquanto suas vozes duplicadas ao fundo tentasse disfarçar sua fragilidade.

A seguir temos a faixa “don’t wanna break up again”, com uma atmosfera de meia-noite com um arranjo R&B obscuro com elementos de hip-hop, onde Ariana faz uma escolha estilística vocal suave, falsetada e soprosa. Há um sintetizador no refrão triscando sua voz quase como um acompanhamento. Na faixa, ela reconhece mais uma vez o quanto o relacionamento com Dalton está fadado ao fracasso, mesmo após as tentativas que ela mesmo descreve na faixa anterior. Além dela cair em si em situações que não são saudáveis, mas que pelo sentimento que temos por alguém, acabamos tolerando, é o que canta no início: “eu adormeço chorando / você liga a TV / você não quer me ouvir / mais uma noite sem dormir / grande dia pela manhã / então, eu aproveito o tempo para me acalmar”. O R&B vai em crescendo até chegar na ponte que deixa a atmosfera ainda mais grave onde ela cita: “nós dois sabemos que é hora / então dizemos adeus / apenas um beijo de adeus / com lágrimas em nossos olhos / espero que você não se arrependa / espero que você ainda pense com carinho em nossa vidinha”. Fica implícito que talvez o fim deste relacionamento tenha sido amigável e respeitoso, mas com total consciência de erros que ambos cometeram, e que causou a irreversibilidade do fim.

Finalizamos a primeira parte do disco ao sermos inseridos no interlúdio “Saturn Returns Interlude” onde temos uma citação da astróloga Diana Garland: “quando todos nascemos, Saturno está em algum lugar / e o ciclo de Saturno leva cerca de 29 anos / é quando acordamos e temos que sentir o cheiro do café / porque se apenas estivéssemos confiando em nosso inteligência / confiando, você sabe, meio que flutuando / Saturno aparece e bate na sua cabeça / e diz: “acorde!” / é hora de você cair na real sobre a vida e descobrir quem você realmente é”. O instrumental ao fundo é quase um sample de “ghostin” de “thank u, next” (2019) que pode reatar memórias de seu quinto disco.

O interlúdio é uma transição para a faixa-título “eternal sunshine”, um trap que estaria facilmente em “thank u, next”, mas feito quase a moda de Post Malone, Travis Scott, Ty Dolla $ign e Future. Ariana brinca como se estivesse na versão sentimental de “7 rings”, mas desta vez contando sua própria história. O trap é tão clássico e conversante que chega a ser apelativo que pode te fazer falar “uuugh” no refrão: “eu serei a primeira a dizer ‘desculpa’ / agora você me fez lamentar / te mostrei todos os meus demônios, todas as minhas mentiras / mesmo assim você brincou comigo como se eu fosse o jogo Atari / agora é como se eu estivesse me olhando no espelho / espero que você se sinta bem quando estiver dentro dela / eu encontrei um menino bom e ele está do meu lado / você é apenas meu eterno raio de sol”.

A seguir, temos a espetacular “supernatural”, que nos traz de volta à atmosfera noturna de “don’t wanna break up again”. Desta vez, o pop sintetizado meio dreamy é quase uma mensagem para “Midnights” (2023) de Taylor Swift sobre o que deveria ser um pop da meia-noite que todos devem esperar. A percussão da faixa é abafada enquanto Ariana canta com sua voz cheia de ar e no registro mais grave, onde a leva para o refrão intrigante e cativante: “este amor está me possuindo / parece algo supernatural / tá tomando conta de mim / não quero lutar contra essa paixão”. A ponte da faixa nos prepara para ad-libs com notas altas que ressaltam o refrão que ressoou desde a primeira estrofe, que ninguém desta geração do mainstream é capaz de entregar.

A seguir temos a já conhecida “true story” que é uma representação do que o R&B dos anos 2000 deveria ser para quem quer replicá-lo. A faixa é uma influência proposital (ou inconsciente) de diversos atos femininos da data, como Aaliyah, Keyshia Cole, Kelly Rowland e Amarie. A faixa possui um dos arranjos mais simples do disco, onde a produção vocal toma conta e o lírico também, onde o início é bem marcante, que Ariana canta: “esta é a verdadeira história sobre todas as mentiras que você fantasiou / esta é a verdadeira história de todos os jogos que você joga / não, não é isso que eu preciso (me dê amor) / não é isso que eu quero (me dê amor)”. A faixa é quase uma explicação de sua ex-relação, onde ela deixa nas entrelinhas em trechos como: “eu farei a vilã, se você precisar / eu sei pra onde isso vai, sim / eu serei aquela que você pagará pra ver a câmera rodar a cena / por favor…” e “eu vou bancar a garota má se você precisar / se isso faz te sentir melhor / eu serei aquela que você ama odiar / não consigo me identificar / há muito no meu prato”.

Então temos “the boy is mine” que é quase um sample de MNEK pela produção R&B espetacular, que seria futuramente um ótimo remix com a girlgroup britânica FLO. A faixa possui uma interpolação da música de Brandy e Monica de mesmo nome. A faixa é mais uma referência ao R&B dos anos 2000 que outra vez é perfeitamente colocada e que encaixa extremamente bem com o repertório de Grande. Exala sensualidade e será certamente a legenda do Instagram dos posts de todos aqueles que querem impressionar aquele rapaz que você está afim, afinal, quem não vai se identificar com o refrão: “esse garoto é meu / mal posso esperar pra experimentá-lo / vamos nos entrelaçar / o garoto é meu / as estrelas se alinharam / veja eu levar meu tempo / não posso acreditar na minha mente / o garoto é divino”.

A 9ª faixa, “yes, and?” já foi analisada e você pode ler a review dela AQUI.

A seguir, temos a faixa mais fraca do disco, “we can’t be friends (wait for your love)”. Ariana tem uma das composições mais ricas do disco por aqui, mas sonoramente ela abraça o arranjo utilizado em trilha sonora de séries adolescentes da Netflix, o que ela nunca tinha feito até agora. A faixa também serviu como segundo single do disco e é algo que consideramos um erro, principalmente para segundo single onde já tivemos a extraordinária pop-dance “Into You” de “Dangerous Woman” (2016) e “God is a woman” de “Sweetener” (2018). A faixa liricamente é uma mensagem clara e lindíssima, mas a escolha da produção deixou a desejar, apesar de ser bem produzida. Trechos são bem tocantes como em: “eu e minha verdade ficamos em silêncio / garotinha, somos só eu e você / porque eu não quero discutir / não quero morder minha língua / acho que prefiro morrer / você me entendeu mal / mas pelo menos eu pareço tão bem”.

Ao encaminharmos para o final, temos a dream-pop “i wish i hated you” que segue a mesma linha melódica da faixa anterior, mas que carrega um dos melhores líricos do disco, onde Ariana se desequilibra e sua impostação muda que a faz quase chorar ao cantar os versos: “mas não importa o quanto eu tente / e não importa o quanto eu queira / e não importa quão fáceis as coisas poderiam ser se eu tentasse / e não importa o quão culpado eu ainda me sinta dizendo isso / eu gostaria de te odiar / eu gostaria que isso não fosse verdade / gostaria que houvesse algo pior para você / eu gostaria que você fosse pior para mim / queria te odiar”.

Na penúltima faixa do disco, temos a pitada de country com “imperfect for you”. A faixa é uma mescla sutil com o country pela abordagem vocal que pode remeter a Lana Del Rey onde sua voz está propositalmente quase saindo de sua tessitura, e ela recita: “fodida, ansiosa demais / mas eu vou te amar do jeito que você precisa / imperfeita pra você / desarrumada, completamente angustiada / mas eu não sou assim desde que te conheci / imperfeita para você”.

O ato de encerramento é responsabilidade de “ordinary things”, com colaboração de Nonna, sua avó de 98 anos, que finaliza a faixa com um conselho que responde a pergunta dada em “intro (end of the world)”. O arranjo é tão acelerado para encerrar o disco que já deixa o ouvinte ciente de que já estamos no final do projeto. As apogiaturas e a linha melódica adotadas na faixa revela que a influência de Beyoncé ainda reflete na arte de Ariana. O synth grave rasgando junto com o trompete abafado ao fundo nos traz a sensação de encerramento muito agradável. A faixa inicia-se com Ariana cantando quase em stacatto: “poderíamos estourar todo o champagne em Califórnia / poderíamos tomar omakase em Tóquio se você quiser / hipoteticamente, nós poderíamos fazer / nós poderíamos subir todas as encostas com roupas de neve combinando / poderíamos ficar no Louvre a noite toda se você quiser / poderíamos gastar cada centavo / mas eu não quero nada / só mais tempo com você (…) não importa o que façamos / nunca haverá uma coisa comum / nada de coisas comuns com você / é engraçado, mas é verdade / nunca haverá uma coisa comum / enquanto eu estiver com você”. Possa ser que o fim deste relacionamento também fosse devido a falta de compatibilidade, e a citação de Nonna encerra com ela aconselhando Ariana: “e quando ele chegava em casa e eu o via, quando ele descia daquele trem pela primeira vez / era como se Deus todo-poderoso tivesse chegado / foi como ver a luz do dia / quer dizer, eu poderia ter feito as malas e ido embora um milhão de vezes / você sabe? não é que nunca brigamos / você pode superar isso, sabe? é muito fácil / e como eu disse a ela, nunca vá para a cama sem dar um beijo de boa noite / essa é a pior coisa a fazer, nunca, nunca faça isso / e se você não puder, e se você não se sentir confortável fazendo isso você está no lugar errado, saia”.

Em “eternal sunshine”, Ariana Grande mostra amadurecimento, o avesso de “Positions”, homenageia “Yours Truly” e leva sua discografia para um lugar que ninguém imaginava.

NOTA:

Escute “eternal sunshine” de Ariana Grande aqui:

1 comentário em “Review: “eternal sunshine” de Ariana Grande”

  1. Como é bom ter pessoas que sabem EXATAMENTE oq falam sobre diversos assuntos… Amei a review e nela entendi como esse álbum é especial para a Ariana e para nós fãs.

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