
Gênero: Pop / Rock / Eletropop
Gravadora: Interscope Records
Lançamento: 17 de maio de 2024
Uma escuta obrigatória: Billie Eilish está se descobrindo. Em “HIT ME HARD AND SOFT”, ela abandona o mistério indie e parte para uma jornada de descobrimento à moda de Arctic Monkeys.
Na última sexta-feira (17), Billie Eilish lançou seu terceiro álbum de estúdio intitulado “HIT ME HARD AND SOFT”, que sucede o morno “Happier Than Ever” (2021).
Quase 3 anos após seu último disco, Billie navegou nas produções para filmes como “007 – No Time To Die” (2021) e “Barbie: The Movie” (2023). Focada em expandir seu repertório como artista intrusiva em todos os âmbitos da indústria musical (como faz um artista em ascensão) e apesar de estar em evidência constantemente, o vácuo em sua discografia ecoou. O público estava ansioso para seu próximo projeto, apesar de um antecessor não muito marcante.
Seu novo disco está entre nós e… valeu a espera.
Indo na contramão de seu álbum de estreia “WHEN WE ALL FALL ASLEEP, WHERE DO WE GO?” (2019) e na contramão de seu segundo disco “Happier Than Ever”, o minimalismo sonoro é deixado de lado para uma produção mais encorpada e robusta.
Com a sonoridade que pode te remeter à banda de rock indie Arctic Monkeys e ao pop indie de “Melodrama” (2017) de Lorde, temos talvez o seu melhor disco até agora.
Influenciado por um rock suave, pop sintetizado, soft goth-rock e um eletropop, seu disco viaja (assim como seus arranjos melódicos) numa descoberta que deixa a idealização de lado e mostra na cara de todos como a vida real funciona: decepções, autoconhecimento e relações interpessoais.
O disco inicia-se com “SKINNY”, uma faixa que no primeiro ranger das cordas da guitarra te remeterá à banda de rock estadunidense Red Hot Chili Peppers. Vocalmente, a abordagem é suave, melancólica e soprosa, característica marcante do timbre de Eilish. Cantando suavemente, ela abre a faixa declarando: “me apaixonei pela primeira vez / por um amigo / é um bom sinal / me sentindo mal quando me sentia bem / vinte e um, levou a vida inteira / as pessoas dizem que pareço feliz / só porque fiquei magra / mas eu ainda sou a velha eu e talvez o verdadeiro eu / que acha que ela é bonita”. O refrão é degustante onde ela pressuriza sua voz num falsete com nota reta enquanto canta: “e você ainda chora? / eu ainda choro”.
A seguir temos “LUNCH”, onde sonoramente movemos para algo alto astral, que nos remeteu à “BODYGUARD” de “COWBOY CARTER” (2024) de Beyoncé. Esta faixa faz parte do processo de autoconhecimento de Billie em relação à sua sexualidade, onde ela deixa claro em meio a um piano cru: “eu poderia comer aquela garota no almoço / sim, ela dança na minha língua / parece que ela pode ser a única / e eu nunca seria o suficiente / eu poderia comprar tantas coisas para ela / é um desejo, não uma paixão / ‘me ligue quando você estiver aí’ / disse: ‘comprei algo raro para você / e deixei embaixo da Claire’ / e agora ela está subindo as escadas / então eu puxo uma cadeira e arrumo meu cabelo”. A se encaminhar para a ponte que evidencia uma evolução quase intencional de “bad guy” (2019) de seu álbum de estreia, ela declara: “eu já disse tudo isso antes, mas direi novamente / estou interessada em ser mais do que sua amiga / eu não quero quebrar isso / só quero que dobre / você sabe como dobrar?”.
E então temos “CHIHIRO”, simplesmente uma das melhores faixas de todos os tempos do repertório de Billie. Fazendo uma referência direta ao filme de animação japonês “A Viagem de Chihiro” (2001), temos uma trilha que dura 5 minutos e 3 segundos que ainda assim parece pouco para uma apreciação extraordinariamente satisfatória. O arranjo começa abafado junto de Billie cantando quase como uma fala, onde ela diz: “para tirar meu amor / quando eu voltar, saberei o que dizer? / disse que você não vai esquecer meu nome / nem hoje, nem amanhã / meio estranha, sentindo tristeza / eu tenho um troco (sim), você pode pegar emprestado / quando eu voltar, saberei o que dizer? / hoje não, talvez amanhã”. Ao sermos encaminhados para o ponto mais alto da faixa, seu refrão, temos um refrão com arranjos graves e um ruído agudo que dão ainda mais peso que encaixa maravilhosamente bem, onde ela cita: “abra a porta, você pode abrir a porta? / eu sei que você disse antes que não aguenta mais / você me disse que era uma guerra, disse que me mostraria o que está por vir / espero que não tenha certeza / você pode abrir a porta?”. A parte do autoconhecimento e descoberta que citamos nesta análise fica muito bem representado pela produção aqui, o que deixa a intenção clara e é perfeitamente possível desenhar em sua própria mente o que ela quer dizer com essa faixa.
“BIRDS OF A FEATHER” sucede “CHIHIRO”, uma faixa de transição que certamente pode diminuir o ritmo de empolgação ao escutar o disco. Seguido de um chacoalho de instrumentos de metal constante e uma voz mais firme, Billie canta: “eu vou te amar até o dia que eu morrer / até o dia que eu morrer / até o dia que eu morrer”.
A seguir, temos a liricamente bela “WILDFLOWER”, onde há um arranjo básico com instrumentos de cordas que vão carregando lentamente a música durante seus 4 minutos e 21 segundos, seguido de uma história contada: “as coisas desmoronam / e o tempo parte seu coração / eu não estava lá / mas eu sei / ela era sua garota / você mostrou o mundo a ela / você se apaixonou / e vocês se deixaram levar / ela estava chorando no meu ombro / tudo o que pude fazer foi abraçá-la / só nos deixou mais próximas até julho / agora eu sei que você me ama / você não precisa me lembrar que eu não deveria deixar tudo para trás, não deveria? eu a vejo no fundo da minha mente o tempo todo / parece uma febre, como se eu estivesse queimando viva / como um sinal, eu cruzei a linha?”. Tudo indica que nesta faixa, ela esclarece a situação em ter ficado com o namorado de sua própria amiga, que apesar de parecer uma coisa ruim, ela tenta se justificar, e há quem concorde ou não com este posicionamento, e a música também pode gerar discussões sobre a vida e relacionamentos…
Em “THE GREATEST”, há uma abordagem sonora mais obscura e o timbre de Billie muda a ponto de parecer que estamos escutando uma faixa de Hayley Williams da banda de rock estadunidense Paramore, mas com a identidade de Eilish. Uma montanha-russa de gêneros é abordada nesta faixa de 4 minutos e 53 segundos, desde o soft rock lullaby ao pop-rock de Paramore. A história continua a ser contada, onde ela canta: “estou tentando o meu melhor / para mantê-lo satisfeito / deixo você descansar / enquanto eu fico acordada a noite toda / e você não quer saber / o quão sozinha eu estive / deixo você ir e vir / seja qual o estado em que eu esteja / cara, eu sou a maior / meus parabéns / todo meu amor e paciência / toda minha admiração / todas as vezes que esperei / que você me queria nua / fez tudo parecer indolor / cara, eu sou a maior”.
A próxima faixa, “L’AMOUR DE MA VIE” carrega a energia de “Stressed Out” (2015) do duo estadunidense Twenty One Pilots em todos os sentidos, mas com uma pitada de experimentalismo que agrada e muito aos nossos ouvidos. Numa ponte psicodélica que desliza na pista de dança, ela canta: “você queria mantê-lo / como algo que você encontrou / até que você não precisasse disso / mas você deveria ter visto o jeito que aconteceu / não acreditaria / quer saber o que eu disse a ela com a mão no meu ombro? / você foi tão medíocre / e estamos felizes que agora acabou”.
A ousadia toma conta em “THE DINER”. Com uma voz abafada sintetizada e reverberada, Billie canta em meio a um arranjo distorcido e escorregante: “aposto que eu poderia mudar sua vida / você poderia ser minha esposa / poderia entrar em uma briga / eu direi: ‘você está certa!’ / e você me dará um beijo de boa noite / esperei na esquina até ver a babá sair / foi fácil passar e eu caí de pé / entrei pela cozinha procurando algo para comer / deixei um cartão de visita para que soubessem que era eu”.
A penúltima faixa do disco conta com “BITTERSUITE”, uma das melhores faixas do disco. Rasgado pelo wave pop à moda de The Weeknd, ela canta deslizando sua voz nos trechos: “não posso me apaixonar por você / estive no exterior / estive tendo sonhos / você estava no saguão / eu estava de joelhos / fora do meu corpo / observando de cima / eu vejo o jeito que você me quer / eu quero ser a única”. E então temos uma mudança brusca para um instrumento sintetizado não muito bem definido que fica tocando as mesmas notas em looping enquanto ela canta com a voz arrastada e propositalmente cheia de fry: “eu não preciso respirar quando você olha para mim / tudo que vejo é verde / e acho que estamos no meio de tudo que vi em meu sonho, tenho isso uma vez por semana / não consigo cair de pé / não consigo dormir / tenho você por debaixo de todas as minhas crenças / seja breve, esperarei na suíte / me mantenha no chão / você parece tão paranóica / estou olhando para os garotos / eu nunca preenchi o vazio / por despeito / você parece tão paralisada / é tão romantizado / se é assim que eu morro / está tudo bem”.
E então temos “BLUE”, faixa de encerramento do disco. A faixa de 5 minutos e 43 segundos fecha o projeto com maestria, diante de uma finalização orquestral belíssima que agrega ainda mais valor ao projeto, onde ela canta: “eu tento viver em preto e branco / mas estou tão triste / eu gostaria de falar sério quando digo que superei você / mas isso ainda não é verdade / eu ainda estou tão triste / você nasceu mais azul que uma borboleta / linda e tão privada de oxigênio / mais fria que os olhos do seu pai / ele nunca aprendeu a simpatizar com ninguém / eu não te culpo / eu não posso mudar você / não te odeio / mas não podemos te salvar / você nasceu alcançando as mãos de sua mãe / vítima dos planos de seu pai para governar o mundo / com muito medo de sair de casa / paranóica e petrificada com o que você ouviu / mas eles poderiam dizer o mesmo sobre mim / eu durmo cerca de três horas por noite / significa apenas vinte e uma horas por semana agora / e eu poderia dizer o mesmo sobre você / nascida sem culpa, também cresci famosa / apenas um bebê triste agora”.
Billie Eilish está se descobrindo. Em “HIT ME HARD AND SOFT”, ela abandona o mistério indie e parte para uma jornada de descobrimento à moda de Arctic Monkeys.
NOTA:

Escute “HIT ME HARD AND SOFT” de Billie Eilish aqui: