Review: “BRAT” de Charli xcx

“BRAT” de Charli xcx
Gênero: Pop / EDM
Gravadora: Atlantic Records
Data de lançamento: 7 de junho de 2024

“BRAT” de Charli xcx é uma eterna viagem lisérgica com crise existencial originada de uma boate abafada com alguns momentos de reflexão que só o LSD pode proporcionar.

No último dia 7 de junho, Charli xcx lançou seu sexto álbum de estúdio intitulado “BRAT”, que sucede “Crash” (2022). Seguindo a linha alternativa e o conceito de artista independente fora do eixo, desta vez ela aposta num pop sintetizado e um EDM saturadíssimo dos primeiros 5 anos da década de 2010.

A experiência é simples e direta: ser bagunçado, reflexivo e tão acelerado que pode tropeçar. 

Ao mesmo tempo que você escuta o disco e sente que está num espaço fechado de boate com paredes pintadas de preto fosco com luzes de neon iluminando-as, você tem pontos de reflexões sobre a perda de alguém próximo, insegurança em relacionamentos, falta de autoestima e crise existencial.

O disco de 41 minutos e 23 segundos contam com 15 faixas que navegam entre o pop sintetizado distorcido da excelentíssima artista venezuelana Arca, um EDM (eletronic dance music) baseado no DJ David Guetta do período 2010 – 2014 e um wave-pop enlatado característico de The Weeknd e Daft Punk.

Charli cita que o disco é seu trabalho “mais agressivo e conflituoso”, e de fato é. O projeto é inspirado no cenário de rave ilegal de Londres que ela presenciou durante a adolescência por volta de seus 15 anos de idade.

A representação deste cenário é bem colocada e o que é proposto é bem feito com uma energia meio caótica e desconcertante que pode criar uma inquietação positiva ou negativa no ouvinte, visto que tudo é muito acelerado e poluente, como um disco club deve ser.

Somos introduzidos ao disco com a faixa “360”, uma faixa dance feita, que de início já se torna uma das melhores faixas do projeto. Uns sintetizadores pop reciclados do pop do final da década de 2000 toma conta diante de um lírico descontraído: “arrase, sim / ligue o flash da câmera / tão estilosa / camisetinhas brancas sumiram / arrase, sim / está parecendo um ícone / de todos os ângulos, sim / sim, 360 / quando está na frente do espelho, você gosta do que vê? / quando está na frente do espelho, você é igualzinha a mim / estou em todo lugar, sou tão Julia / quando você está na festa requebrando ao som daquela batida / 666 com uma reputação de princesa / estou em todo lugar, sou tão Julia”, canta ela com a voz cheia de fry e um tom debochado.

A seguir, temos “Club classics”, que continua com a proposta de te mover na pista de dança, diante de sintetizadores de EDM junto com loopings vocais infinitos acompanhado de um beat enlatado poluído feito para a boate, enquanto canta: “sim, eu quero dançar comigo (agora, agora) / eu quero dançar AG (agora, agora) / eu quero dançar com George (agora, agora) / eu quero dançar SOPHIE (agora, agora) / eu quero dançar HudMo (agora, agora) / toque a faixa rápido, não devagar (agora, agora mesmo) / puxe para trás duas vezes, vamos (agora, agora) / marcas de suor em todas as minhas roupas (agora, agora) / apertado como meu tipo de fluxo (agora, agora) / sim, eu quero ficar cego pelas luzes, luzes, luzes (agora, agora)”. No trecho citado acima, ela cita Sophie, musicista escocesa, que faleceu em janeiro de 2021 após uma queda acidental em uma varanda. Ela cita também seu produtor deste disco, A.G. Cook, que está envolvido na produção do álbum.

A seguir, temos “Sympathy is a knife”, que o público da cultura pop alegou ser uma indireta à artista estadunidense Taylor Swift, por ter tido um breve envolvimento com o integrante da banda The 1975, Matty Healy em maio de 2023. Charli havia sido ato de abertura da “Reputation Stadium Tour” (2018). Para o blog de música Pitchfork, Charli afirmou em uma entrevista: “parecia que eu estava no palco e acenando para crianças de 5 anos”, relatou ela em relação a ser ato de abertura da turnê. Diante de um distúrbio de elementos pop com EDM, ela canta no refrão acompanhando de um grave profundo e um violino agressivo: “eu não quero compartilhar o espaço / eu não quero fingir um sorriso / essa garota engatilha minhas inseguranças / não sei se isso é real ou se estou enlouquecendo / uma voz me diz que todos eles riem / o George diz que só estou paranoica / ele diz que simplesmente não entende, ele é tão ingênuo / sinto tanta vergonha disso, mas preciso da simpatia / porque eu não conseguiria ser ela nem se tentasse / sou o oposto, estou no outro lado / eu sinto todos esses sentimentos que não consigo controlar / ai, não, não sei o motivo / toda essa simpatia não passa de uma faca / por que não consigo nem ignorar e mentir? / eu sinto todos esses sentimentos que não consigo controlar”. Ela vai mais fundo ao decorrer da faixa: “por que eu quero comprar uma arma? / por que eu quero me matar? / numa guerra volátil com meu diálogo interno / eu diria que existe um Deus se eles pudessem impedir essa / voz selvagem está me destruindo / estou tão apreensiva agora / não quero vê-la nos bastidores do show do meu namorado / dedos cruzados atrás das minhas costas / espero que eles terminem quanto antes”.

E então temos “I might say something stupid”, uma simulação de balada sintetizada que utiliza o artifício do autotune para corrigir sua desafinação, enquanto canta: “pode ser que eu diga algo estúpido / falo comigo mesmo no espelho / uso essas roupas para disfarçar / só para entrar na festa de novo / a porta está aberta, deixo entrar mas ainda estou do lado de fora / pareço perfeita para o fundo / fico nervosa, bebo o vinho / eu fico tão fria, eu fico tão fria / porque eu não sei se pertenço mais aqui, eu / eu não me sinto nada especial / rasgo minhas meias em uma cadeira solitária / acho que sou uma bagunça e interpreto o papel / costumava viver só pra festa, a porta está aberta / sou famosa, mas nem tanto / mas sou perfeita para o fundo / um pé em uma vida normal”.

“Talk talk” é um devaneio delicioso completamente idiota liricamente, que vai te pegar sem você perceber com um refrão melodicamente genérico, onde ela canta: “eu queria que você falasse, falasse / queria que você falasse, falasse / queria que você falasse, falasse / queria que você falasse comigo”. Esta foi feita exclusivamente para a pista de dança enquanto os raios de luz mira no seu rosto dentro da boate.

“Von dutch” resgata a energia de “360”, onde a festa é o que importa, completamente descompromissada com o conceito, e é feito apenas para entreter como se fosse uma faixa feita por Major Lazer e Diplo. Ela clama: “não tem problema admitir que você sente inveja de mim / você está obcecada, apenas confesse, porque é óbvio / sou sua número um, sou sua número um / sou sua número um, sim / sou sua número um, sua número um / sua número um, sua número um / só estou vivendo essa vida / Von Dutch, um clássico cult, mas ainda arraso / eu faço dinheiro, você fica com raiva porque o banco está fechado (o banco está fechado) / sim, conheço o seu segredinho, você foi flagrada / é tão óbvio que sou sua número um, vida / Von Dutch, um clássico cult no seu fone de ouvido / por que você está mentindo? você não vai transar com ele se ele não for famoso (ele é famoso) / faça aquela dancinha, sem ela, você seria insignificante é tão óbvio que sou sua número um, vida”.

“Everything is romantic” é uma parte que parece ter sido um resgate do que a musicista venezuelana Arca possui em seu acervo, com um deslize de funk de Anitta, enquanto canta com a voz pressurizada “tudo é… romântico!”: “começo da noite em lençóis brancos com cortinas de renda / Capri à distância / num lugar que pode fazer você mudar / se apaixo / tudo é… romântico”.

“Rewind” é tão caricata e divertida ao mesmo tempo que gostar dela é quase uma obrigação, diante de um pop saturadíssimo construído a base de nenhum instrumento cru, apenas sons aleatórios criados no BandLab: “costumava gravar CDs cheios de músicas que eu não conhecia / costumava sentar no meu quarto passando esmalte nos meus dedos / recentemente, tenho pensado em uma cintura e boletins / às vezes, eu realmente acho que seria legal retroceder / eu nunca pensava na Billboard / mas, agora, comecei a pensar de novo / me perguntando se acho que mereço sucesso comercial / está passando pela minha mente / às vezes, eu realmente acho que seria legal retroceder / às vezes, eu só quero retroceder / às vezes, eu só quero retroceder”, ela cita.

“So I” é uma homenagem para Sophie, anteriormente citada nesta análise. A faixa é o momento da embriaguez em que as emoções da festa na boate trazem reflexão e tristeza por aqueles que amamos, seja aqueles que partiram ou que ainda estão aqui. Diante de um arranjo sintetizado de trilha sonora de série adolescente moderna, ela declara: “sempre na minha mente (todo dia, toda noite) / sua estrela brilha tão intensamente (por que eu te afastei?) / às vezes eu sentia medo / você era poderosa como um raio / quando estou no palco, às vezes eu minto / digo que gosto de cantar essas músicas que você deixou pra trás / e eu sei que você sempre dizia: Não tem problema chorar / é por isso que sei que posso chorar, posso chorar, por isso eu choro / gostaria de ter tentado puxar você pra mais perto / você me incentivava bastante, me fazia focar / suas palavras eram brutais, amáveis, verdadeiras, eu ficava petrificada / você é uma heroína e uma humana / quando a música estava completa, eu inventava desculpas / você dizia: vem, fique pra jantar / nu dizia: Não, estou bem (agora eu realmente gostaria de ter ficado) / sempre na minha mente (todo dia, toda noite) / sua estrela brilha tão intensamente (por que eu te afastei?) / às vezes eu sentia medo / você era poderosa como um raio / quando estou no palco, às vezes eu minto / digo que gosto de cantar essas músicas que você deixou pra trás / e eu sei que você sempre dizia: não tem problema chorar / e por isso que sei que posso chorar, posso chorar, por isso eu choro / sentimentos de culpa fazem eu me sentir dividida / recebi um telefonema depois do Natal / não sabia como eu deveria agir / eu assisti você dançar online / seus sons, suas palavras vivem eternamente / quando crio músicas, eu lembro as coisas que você sugeria: acelera! / será que você iria gostar dessa? (talvez só um pouquinho?)”.

“Girl, so confusing” é tão enlatada e poluente que você deixará passar facilmente, diante de um sintetizador rasgante e vibrante que beira o ridículo, enquanto ela canta com falta de estabilidade: “garota, às vezes é tão confuso ser uma garota (garota, garota, garota, garota) / garota, às vezes é tão confuso ser uma garota (garota, garota, garota, garota) / garota, como você se sente sendo uma garota? (garota, garota, garota) / como você se sente sendo uma garota? (garota, garota) / cara, sei lá, sou só uma garota (garota, garota, garota, garota)”.

“Apple” é uma versão ainda mais festiva de Sabrina Carpenter que adiciona ainda mais qualidade ao projeto, diante de um arranjo nada inovador, mas que funciona bem, enquanto ela canta: “acho que a maçã não cai longe da árvore / porque eu tenho olhado para você por tanto tempo / agora eu só vejo a mim / eu quero jogar a maçã para o céu / parece que você nunca me entende / então eu só quero dirigir / para o aeroporto, o aeroporto / o aeroporto, o aeroporto / acho que a maçã pode ficar amarela ou verde / eu sei que há muitas nuances diferentes / para você e para mim / eu quero cultivar a maçã, guardar todas as sementes / mas não consigo evitar ficar tão brava / você não me escuta / para o aeroporto, o aeroporto / o aeroporto, o aeroporto / o aeroporto, o aeroporto / o aeroporto, o aeroporto”.

“B2b” é a transição para o final de festa. Aquele momento que às 5 da manhã você já sente as articulações das pernas criar calor pela exaustão da fritação na pista de dance. Sem nenhuma vontade de produzir algo valioso, é só um lírico e sons jogados ao vento. Os sintetizadores pop e EDM envolvem o ambiente e as paredes da boate vibram com violência. O refrão é típico do loop dos DJs em fim de festa: “eu não quero me sentir destemida / eu não quero me sentir destemido / eu não quero me sentir destemido / voltar, voltar, voltar, voltar para você / eu não quero voltar para nós / talvez você devesse correr de volta para ela / eu não quero voltar, voltar”.

“Mean girls” continua na mesma linha das faixas anteriores, onde a festa continua como se fosse uma versão de 2024 de “Like a G6” (2010) de Far East Movement. O descompromisso lírico se mantém: “sim, são 2 da manhã, e ela está lá fora / no vestido branco transparente, usando a maquiagem da noite passada / toda coquete nas fotos com o flash ligado / adora Lana Del Rey nos AirPods, sim / sim, ela está na casa dos vinte, muito inteligente / hedonista com o juul de cascalho e olhos mortos / você disse que ela é anoréxica e ouviu que ela gosta quando as pessoas dizem isso / acho que você já sabe, mas não sabe / essa é para todas as minhas meninas malvadas / essa é para todas as minhas meninas más / essa é para todas as minhas meninas que quebram o coração do seu namorado / para todas as minhas meninas que destroem tudo / essa é para todas as minhas meninas malvadas / essa é para todas as minhas meninas más / essa é para todas as minhas meninas que quebram o coração do seu namorado / para todas as minhas meninas que destroem tudo”.

“I think about it all the time” tem uma distorção no arranjo confusa, com instrumentos abafados e quase desconexos que juntos de uma voz quase falada e quase saindo de sua tessitura, ela canta: “eu penso nisso o tempo todo / que eu posso ficar sem tempo / mas finalmente conheci meu amor / e um bebê pode ser meu / porque talvez um dia eu possa / se eu não ficar sem tempo / isso daria um novo propósito à minha vida? / eu estava andando por Estocolmo / pensando seriamente sobre meu futuro pela primeira vez / estava muito frio, ouvindo demos no meu iPhone / fui à casa do meu amigo e conheci o bebê deles pela primeira vez / que sublime / que alegria / parado ali / com as mesmas roupas de antes, segurando seu filho, sim / ela é uma mãe radiante e ele é um pai lindo / e agora ambos sabem dessas coisas que eu não sei”.

E o ato de encerramento é responsabilidade de “365”, que complementa a faixa de abertura, “360”, porém o nível não é o mesmo. A energia de “Like a G6” continua para a explosão da boate às 2 da manhã onde a vodca com energético começa a correr pelas veias, diante de uma construção festiva, ela canta: “quando estou no clube, sim (estou tocando isso) / quando estou em casa, sim (estou tocando isso) / 365, garota da festa (estou tocando isso) l devemos usar um pouco de ketamina? / devemos cheirar uma pequena carreirinha? (ah-ah, ah) / quero ficar bem louca quando estou (tocando isso) / me encontre no banheiro se você estiver (tocando isso) / 365, garota da festa (tocando isso) / francesinha e limpo o resíduo (ah-ah, ah) / prendo meu cabelo para trás, fico gostosa quando estou (tocando isso) / não, eu realmente não paro, sim, estou (tocando isso) / vou pular quando cair, sim (estou tocando isso) / disque 999, é um bom momento (ah-ah, ah) / quem diabos é você? sou uma pirralha quando estou tocando isso / agora quero ouvir minha faixa, você está tocando isso? / até as janelas racharem, estarei (tocando isso) / não, eu nunca vou para casa, não durmo, não como / apenas faça isso repetidamente, continue (tocando isso) / quando estou na balada, sim (estou tocando isso) / quando estou em casa, sim (estou tocando isso) / 3-6-5, garota da festa (estou tocando isso) / devemos usar um pouco de ketamina? / devemos cheirar uma pequena carreirinha? (ah-ah, ah) / quero ficar bem louca quando estou (tocando isso) / me encontre no banheiro se você estiver (tocando isso) / 3-6-5, garota da festa (tocando isso) francesinha, limpo o resíduo”.

Indo na contramão das pop girls, que vêm relatando suas desilusões amorosas, divórcios e autoconhecimento, Charli não demonstra hipocrisia em mostrar sua própria vida fútil e descompromissada que pode ser relacionável para muitos, não é à toa que ela virou fundo verde dos posts de parte da comunidade LGBT que vive a adolescência tardia.

“BRAT” de Charli xcx é uma eterna viagem lisérgica com crise existencial originada de uma boate abafada com alguns momentos de reflexão que só o LSD pode proporcionar.

NOTA:

Escute “BRAT” de Charli xcx aqui:

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