Em seu segundo ato, Beyoncé está pisando em um campo minado do gênero country, mas quem deveria ter medo são eles, pois seu legado está se tornando blindado
Ontem, 11 de fevereiro de 2024, aconteceu o SuperBowl na cidade de Las Vegas, no Estado de Nevada, nos Estados Unidos. Aconteceu o show de intervalo do multi-platinado e diamantado cantor e dançarino estadunidense Usher.
Durante o dia movimentado do final do jogo de futebol americano, a empresa de telecomunicações Verizon publicou algumas mensagens subliminares que esquentaram ainda mais os rumores de que Beyoncé tinha feito uma parceria com a empresa para um dos comerciais do SuperBowl. Minutos após o show de Usher, foi publicado um comercial entupido de easter eggs e mensagens subliminares, onde um executivo da Verizon desafiava Beyoncé a “quebrar” os acessos da rede móvel da operadora, devido aos grandes acessos simultâneos, para testar a infraestrutura da empresa. No comercial, Beyoncé tenta de todas as formas “quebrar” esse acesso, desde se tornar uma gamer popular da Twitch à apresentar um robô dela mesma feita com Inteligência Artificial integrada, e até mesmo a se lançar como candidata a presidente da “Beyoncé dos Estados Unidos” ou fazer uma viagem de foguete para a Lua. No comercial, Beyoncé “quebra” a internet, mas não a infraestrutura da Verizon, o que indica que o serviço da empresa é eficiente e seguro.
Assista ao comercial completo aqui:
Porém, durante o comercial de 90 segundos, Beyoncé deixa subentendido que ela faz de tudo para que seu legado seja cada vez mais evidente e sólido na cultura pop e na indústria musical. Ao final da propaganda, ela diz: “já que nada funciona, pode soltar a música” — entregando que somente sua arte é capaz de quebrar qualquer conexão que a impeça de seguir em frente —.
Minutos após o comercial, é publicado de surpresa duas músicas intituladas “TEXAS HOLD ‘EM” e “16 CARRIAGES” junto a um teaser anunciando que o “segundo ato” de sua trilogia será lançado em 29 de março de 2024 — que, curiosamente, é o aniversário da cidade de Salvador, no Estado da Bahia, onde Beyoncé esteve no final do ano passado na estreia de seu filme “Renaissance: A Film By Beyoncé” de sua turnê “The Renaissance World Tour” —.
Beyoncé deixa claro: este segundo ato da trilogia é do gênero country. Segundo fãs e a própria Beyoncé, a proposta é de que se evidencie que os gêneros house music de “RENAISSANCE” (2022) e agora country foram originalmente criados por negros e apropriados pelos brancos. Beyoncé nasceu e criou-se em Houston, no Estado do Texas, um Estado historicamente dominado pelo gênero musical country que é acompanhado de bastante conservadorismo político, moral e de costumes.
Pessoalmente, para Beyoncé, é mais do que compreensível que ela tenha afinidade com o gênero, visto que cresceu com a presença dele e criou-se escutando-o. Apesar de ter abraçado o gênero R&B, hip-hop e pop desde sua época como integrante do grupo feminino Destiny’s Child, o gênero faz parte da história pessoal dela, apesar de não ser muito evidente em seu repertório musical.
Em “Lemonade” (2016), há a faixa “Daddy Lessons” que é nitidamente country. Ela apresentou a canção ao lado do grupo feminino Dixie Chicks no Country Music Awards 2016 e foi extremamente criticada e criminosamente insultada com comentários racistas e segregacionais. Ela estava ciente disto, e ainda assim se impôs num meio que é majoritariamente dominado por artistas e executivos brancos e conservadores.
O contexto dado a esta análise é importante para que você, leitor, entenda para onde Beyoncé está indo e porque isso será problemático e polêmico a partir de agora. O público consumidor do gênero country é caracterizado por pessoas brancas, do sul dos Estados Unidos e geralmente conservadoras nos costumes e no espectro político, e além disso, é um público fiel que consome enormemente esse tipo de gênero musical. Basta ver o sucesso gigantesco de Luke Combs e Morgan Wallen nos Estados Unidos, por exemplo.
Dito isso, o terreno que Beyoncé está pisando é de puro embate, já que, moralmente, ela vai contra tudo o que o público geral deste gênero musical aceita e consome. A começar pela capa do single “TEXAS HOLD ‘EM”, Beyoncé aparece com muita sensualidade, o que comumente não vemos nos artistas country. A intenção é exatamente essa: incomodar, incomodar e incomodar. E certamente ela conseguirá. Entretanto, o incômodo que ela causará é por sua arte e não por ser quem é, afinal, quem a odeia, diz mais sobre quem a odeia do que sobre ela mesma. O simbolismo da escolha dela é louvável e compreensível.
Possa ser que essas duas faixas não seja nem de longe uma das favoritas de seu público tradicional, que a acompanha no R&B, pop e hip-hop, mas como a própria diz: ela está construindo e solidificando seu legado, e para isso, é necessário navegar por gêneros musicais mostrando o que um legado de verdade propõe, e neste capítulo de sua carreira, Beyoncé mostra mais uma vez versatilidade.

Gênero: Country
Gravadora: Parkwood / Columbia Records
Lançamento: 11 de fevereiro de 2024
Em “TEXAS HOLD ‘EM”, temos uma faixa puramente country do começo ao fim, que liricamente também é tradicional ao que estamos acostumados a ouvir: uma vida sendo levada com pensamento em família, materialismo e fraternidade. A voz de Beyoncé está afinada como sempre, mas desta vez, ela está focada em contar uma história — que a depender da perspectiva, pode ser até pessoal —, onde ela canta: “há uma onda de calor vindo em nossa direção / muito quente pra pensar direito / muito frio para entrar em pânico / todos os problemas / apenas pareça dramático / e então estamos correndo para o primeiro compasso que encontramos”.

Gênero: Country
Gravadora: Parkwood / Columbia Records
Lançamento: 11 de fevereiro de 2024
Em “16 CARRIAGES”, se torna algo ainda mais pessoal, porém o country fica bem menos evidente, com um sintetizador melódico que em suas pausas deixa evidente o resquício de country e uma amostra de música gospel. Beyoncé canta de maneira mais rítmica, onde declara: “já se passaram 38 verões / e eu não estou na minha cama / na parte de trás do ônibus e em uma beliche com a banda / viajando tanto, sinto saudade dos meus filhos / trabalho em excesso e sobrecarregada / eu poderia cozinhar, limpar, mas ainda não desisto / ainda estou trabalhando na minha vida, sabe? / só Deus sabe”.
O segundo ato da trilogia de Beyoncé vem para, novamente, ajudar a construir o legado que ela tanto sonha em solidificar ainda mais na indústria, e o custo desta vez pode ser muito alto, mas para ela, nada nunca é demais, visto que ela e sua arte são extraordinárias.
Escute “TEXAS HOLD ‘EM” de Beyoncé aqui:
Escute “16 CARRIAGES” de Beyoncé aqui: